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ZÉ, MEU HERÓI

Texto de Marcio Meirelles, publicado em Abridor de latas, n’A Província da Bahia (Ano I – n. 4), em 23 de fevereiro de 1997.

 

Assistir a qualquer espetáculo de Zé Celso é uma experiência  pra toda a vida.

Quando estava estudando para fazer o vestibular de arquitetura, assisti no Teatro Castro Alves às três peças do repertório do Oficina que excursionaram pelo Brasil: Os Pequenos Burgueses, O Rei da Vela e Galileu Galilei. Lá se vão vinte e seis anos e ainda tenho claras em mim as imagens, as sensações e principalmente as transformações que essas imagens e sensações provocaram em meu pensamento.

Anos depois, vistos o filme que Zé fez na África e o que fez sobre o Rei da Vela, assisti ao Hamlet, do Uzina Uzona, seu novo grupo. Foi definitivo. Ali estavam toda a força que o teatro tem, ao longo daquelas quatro horas de espetáculo.

Agora: As Bacantes. Cinco horas de folia para contar o triunfo de Dionísio. E contar o triunfo de Dionísio é contar o triunfo de José Celso Martinez Corrêa e seu teatro.

Durante anos Zé e seu grupo lutaram contra a grana de Sílvio Santos e seu Baú da Felicidade para manter o prédio do Teatro Oficina no seu lugar. Um teatro em vez de um shopping center.

O tempo de construção das Bacantes foi o tempo que durou essa luta. Hoje o teatro está lá e o shopping center ainda não. E no Teatro estão as bacantes de Zé contando essa história: Dionísio vem da Frígia com seu séquito de mênades instaurar seu culto em Tebas, governada por Penteu, seu primo. Penteu vê todas as mulheres da cidade, enlouquecidas de vinho e paixão, irem para os campos entregarem-se aos rituais em louvor ao novo Deus. Temendo a desestabilização da ordem, da razão, da produção e, consequentemente, de seu poder, manda prender Dionísio.  O Deus, prisioneiro, inflama a curiosidade do rei e o induz a assistir ao culto secretamente, vestido de mulher. Penteu assim o faz, mas é reconhecido e destroçado pelas bacantes que, no transe, o tomam por um leão, lideradas por Agave, sua mãe. Passado o momento do sacrifício, a cidade reconhece a divindade de Dionísio e o seu culto se instaura, a partir de Tebas, em toda a Grécia.

A vitória de Dionísio sobre Penteu é a vitória da paixão, do delírio, do teatro, dos sentidos. É a vitória de Zé Celso que reconstruiu seu teatro, no meio de São Paulo, no meio da especulação imobiliária, no meio do que seria um shopping center, no meio de um Baú da Felicidade. E o reconstruiu para que as bacantes pudessem triunfar.

O Triunfo de Zé não foi completo, o Baú não foi destroçado nem será. Ficará sempre, como uma ameaça pairando, essa hipótese de um shopping center. Ficaremos para sempre com essa ameaça pairando sobre nós: a de que a paixão possa ser banida de nossas vidas, pela especulação, pelo lucro, pela produção desenfreada do capital.

As Bacantes estarão em Salvador no dia 28 de fevereiro, no Museu de Arte Moderna.

 

 

Publicado em 03/02/1997 | nenhum comentário

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