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Marcio Meirelles 4.0

Texto: Cássia Candra
Foto: Fernando Vivas

publicado na revista MUITO em 23/06/2012

No meio da tarde de quinta-feira, os sons que chegam à sala principal do Teatro Vila Velha vêm dos corredores por onde passam atores do Bando de Teatro Olodum. No mesmo palco onde encenou Ó Paí Ó (1992 / 2001 / 2007) e lançou Lázaro Ramos, o diretor, cenógrafo e figurinista Marcio Meirelles, 58, orienta o pessoal da técnica.

Os novos espetáculos da casa que ele voltou a dirigir no ano passado, após encerrar sua ruidosa gestão na Secretaria de Cultura do Estado (2007-2010), vêm carregados de experimentalismo tecnológico e fazem parte de um projeto audacioso: “Transformar o Vila Velha na base física de uma plataforma digital”.

O olhar do artista, sempre intrigado com novas linguagens, agora flerta com a ‘dramaturgia do Facebook’. “Eu não consigo mais pensar em um espetáculo sem imaginar como isso vai chegar a um público contemporâneo. Não há como não repensar o discurso cênico no século 21.”

Os planos que tem para a casa, quase 15 anos depois de comandar a megarreforma que resultou na estrutura estável no Passeio Público, confirmam a tendência vanguardista de ambos. O Vila Velha não tem pouca história, não. Criado em meados da década de 1960 por dissidentes da Escola de Teatro da Ufba, para deixar sua marca bastaria o fato de ser o nosso primeiro teatro independente e ter abrigado a companhia que profissionalizou a cena local – a Sociedade Teatro dos Novos.

Antes de completar meio século, o mesmo Vila se reinventa. Dado a ousadias que no palco fundiram clássicos com elementos da afro-baianidade, abrindo espaço para a dramaturgia encenada nos circuitos alternativos, Marcio completa 40 anos de carreira renovando. “Aquela coisa de que o teatro só acontece com a presença física do ator e do espectador era verdade até o século 20.”

A ideia do cocriador do Bando de Teatro Olodum, a companhia negra mais pop da história do teatro baiano, não é mexer na estrutura tradicional. “O teatro com público presente não vai morrer nunca. Mas criar alternativas não significa acabar com as anteriores. É mais do que isso, porque o processo criativo pode ser colaborativo e compartilhado. A plataforma digital também vai ser uma rede de interligação. Você pode ter atores de vários lugares trabalhando num mesmo espetáculo e plateias em diferentes países assistindo àquilo.”

A perspectiva é que seu teatro engajado se expanda. Resumindo, o que Marcio quer é o Vila no mundo. A ideia começou a ser testada em Bença (2010). Em O Olho de Deus – O Avesso dos Retalhos, texto de Sônia Robatto (em cartaz até 1º/7), a dramaturgia tecnológica interage com a que é feita ao vivo; e em Drácula (de Bram Stoker), que em agosto inaugura sua trilogia sobre os monstros, põe um vampiro de imagens e sons para contracenar com o elenco.

“Quando ele me disse que teria a nossa voz gravada e falas ao vivo, achei que não iria funcionar. Mas gostei do resultado. Marcio é um cara versátil, que modula seu discurso”, diz o ator Fernando Fulco, 58, que está no elenco de Olho de Deus. Fulco acompanha a trajetória do diretor desde quando integrava sua primeira companhia teatral, Avelãs y Avestruz (1976-1989). A diretora Chica Carelli, 54, cocriadora do Bando, aponta que a versatilidade do parceiro é resultado de sua pesquisa. “Cada montagem é uma novidade. É o diretor com quem mais me identifico em termos de estética e conteúdo”.

Paixão radical
Marcio começou a fazer teatro em 1972, quando estudava arquitetura. De lá para cá, foi cocriador de duas companhias – Avelãs y Avestruz e Bando de Teatro Olodum – e teve o cineasta alemão Werner Herzog como parceiro (Sonhos de Uma Noite de Verão, 2001). O reconhecimento do teatro inventivo e vibrante veio de diferentes maneiras. Com Um Tal de Dom Quixote, por exemplo, ganhou o Prêmio Braskem de Teatro de Melhor Direção (1998), e, anos depois, viu Candances – A Reconstrução do Fogo, que escreveu e dirigiu para o grupo carioca Companhia dos Comuns, virar samba-enredo do Salgueiro (2007).

Em paralelo, foi construindo sua trilha política. Marcio já havia dirigido os dois maiores teatros de Salvador – o Teatro Castro Alves (1987-1991) e o Teatro Vila Velha (1994-2006), mas foi o trabalho à frente da Secretaria de Cultura do Estado, na primeira gestão do governo Jaques Wagner, que estigmatizou esse viés de sua carreira. “Agora todo mundo fala ‘o ex-secretário de Cultura’, mas naquela época ninguém dizia ‘o ex-artista’. Parecia que minha existência começava naquele 1º de janeiro de 2007. Fiquei chocado, tudo o que fiz como artista, como gestor e cidadão foi o que orientou o meu caminho na secretaria.”

Política

Os dias mais difíceis contabilizaram ataques a sua gestão e polemizaram com episódios como o fechamento do Theatro XVIII e a reformulação do Balé do Teatro Castro Alves, fatos que repercutiram a insatisfação da classe artística. Revendo esse capítulo de sua trajetória, o ex-secretário pensa que em seu discurso, nesses 40 anos, há “uma coerência de pensamento, de política, ideia e conceito”. Pega um artigo que escreveu em 1975, quando dirigia a companhia Avelãs y Avestruz, e compara com a visão do gestor da Secult: “O central é o público, não é o artista. É para o público que tudo é feito. Todo o resto é meio. O público é o fim. Como gestor, eu pensava assim e trabalhei nesse sentido”.

Pouco mais de dois anos depois de deixar o cargo, Marcio avalia seu percurso na Secult. “Do ponto de vista pessoal, acho que não aceitaria de novo o convite, mas politicamente fiz aquilo que era preciso fazer. Criei bases que agora estão florescendo”. Ele se refere à Lei Orgânica da Cultura, aprovada em 2011, que prevê a implantação do Sistema Nacional de Cultura e a regulamentação do Plano Estadual de Cultura; e ao mapeamento das sete macrorregiões do Estado, denominadas Manchas Culturais. Para o crítico teatral Marcos Uzel, as críticas à atuação de Marcio Meirelles na Secult de forma alguma abalam o espaço conquistado pelo artista: “A solidez de sua trajetória artística é documento de memória e o coloca como um protagonista de peso na história do teatro baiano”.

Mas os questionamentos passam longe do tablado. Tanto em produções densas, como Medeamaterial (1993), como em espetáculos de forte apelo popular (Cabaré da Rrrrraça está em cartaz há quase 15 anos), há arrojo de sobra na assinatura do encenador. “Acho Marcio superousado”, diz José Carlos Arondise (Zebrinha), 58, responsável por quase todas as coreografias do Bando.

Nos anos 1980, quando montou Alice com o Avelãs, passou dois meses dentro de uma Kombi, com a troupe, em turnê por vários estados. “Estávamos concretizando o que o espetáculo dizia: sair de casa, cair no mundo, crescer”, lembra a atriz Maria Eugênia Milet, 59, cocriadora da companhia e mãe dos dois filhos do diretor, João e Pedro.

O teatro com pegada coletiva também virou lenda. Dizem até que o ambiente de ensaios das peças são meio que uma Távola Redonda. O ator Érico Brás, 33, que integra o elenco divertido de Tapas & Beijos (Rede Globo), viveu tudo isso quando fazia o taxista Reginaldo de Ó Paí Ó e outros espetáculos do Bando: “O grande barato de Marcio é que ele dá voz ao artista para que ele conte sua história”. Mas essas coisas nunca são unilaterais. “Comecei a fazer teatro como uma coisa coletiva, como uma arma política. E nunca deixou de ser”.

COMENTÁRIOS:

iza azevêdo  Says:
junho 24th, 2012 at 11:13

Marcinho é ótimo em tudo que faz por amor a arte. Só quero saber quando abrirá o curso gratuíto no Villa Velha para 3ª idade que eu vou me inscrever.

Angelica Aunciação  Says:
junho 24th, 2012 at 16:52

Parabéns a Marcio Meireles sempre!!!!

A sua passagem pela Secult, como em tudo que ele faz
foi de excelência.
A sua saída da secretaria foi perda para o povo da Bahia, antes de Marcio o povo do interior não discutia, não participava do dialogo cultural no Estado ou no país. Com ele tivemos grandes conferencias territoriais e estadual.Depois dele tudo parou, retrocedeu, felizmente ficou as leis que com a ajuda de macio se avançou. Mas não é tudo, pois não adianta muito se não tem quem faz valer. Parte da categoria artística da Bahia responsável por sua saída promoveram a perda para o povo, mas também perderam pois com diz o próprio Marcio ” o artista é meio, fim é o publico…”
Mas Marcio não perde, se renova sempre e pra arte coletiva. Esse já tem nome na historia da arte baiana e universal. Avante sempre Marcio Meireles!!!!

Publicado em 02/07/2012 | nenhum comentário

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