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CARTA A LEANDRO SOUZA SOBRE A VALORIZAÇÃO DO TEATRO

o bando de teatro olodum em DÔ - foto: joão milet meirelles - 01 de outubro de 2012

o bando de teatro olodum em DÔ - foto: joão milet meirelles - 01 de outubro de 2012

refletir é bom
debater é saudável
o contraditório soma
pior é o silêncio

Tenho pensado muito sobre a “valorização do teatro” pelo Estado, pelo público e sinceramente creio que ele precisa ser valorizado é por quem faz. É preciso pesquisa, investimento, repensamento diário. Responder questões como: por que temos perdido público?

Não devemos culpar nem responsabilizar o público por sua ausência. Se ele não vem é porque não se interessa. E por que não?

O Estado pode resolver, se houver um investimento real em educação. Daí resolvemos não só o problema do teatro, mas do país – e quem quer resolver o problema do país? Tema esse que o teatro pode discutir e com certeza o publico se interessaria.

São muitas questões. Mas creio que se pensa teatro de uma maneira muito anacrônica, despolitizada e imediatista para se encontrar respostas. Ouvi muito: “é preciso dinheiro para produzir peças”. Produzir peças pra quem? Temos uma série de estréias de curtas temporadas para cumprir apenas o número mínimo de apresentações requeridas pelos editais, que às vezes, inclusive, exigem a gratuidade do ingresso.

É preciso de fato fomento. Como para a indústria, a agricultura, o comércio. Mas aí o teatro deve ser pensado também como economia. Quem quer pensar sobre isso?

Ouço sempre frases e discursos românticos sobre a inutilidade da arte como uma qualidade, um dom divino que os artistas tem de gerar algo que tem a única finalidade de encantar. Mas encantar é um serviço de utilidade pública, porque não é um fim em si, é um meio para se chegar a um “ponto de mutação” que pode ajudar a sociedade a avançar.

Teatro é uma imensa rede produtiva, entretanto só pensamos nos postos de trabalho para os artistas. E as costureiras, marceneiros, vendedores de loja de tecido ou de material de construção? A indústria e o comercio de equipamentos elétrico/eletrônicos? O serviço de segurança? E os bares e lanchonetes e restaurantes beneficiados por um público que quer continuar a se divertir depois do espetáculo? E os turistas que procuram alternativas aos ensaios de blocos? Etc…

Precisamos qualificar nosso público no sentido de entender quem ele é, que qualidades ele tem, quais buscamos nele e como podemos ajuda-lo na construção dessas qualidades. Uma vez que teatro não é assunto muito caro à educação formal e que a educação não é assunto muito caro a quem devia, o teatro precisa formar de fato seu público para tê-lo.

Por exemplo, com Cabaré da Rrrrraça, conquistamos um público negro porque oferecemos meia entrada para ele e politizamos essa questão. A partir daí o Bando tem esse público, espontâneo e pagante, até em outros estados. Para manter esse público e amplia-lo não basta somente agradá-lo. O que fazemos não precisa nem ser agradável mas necessário. Então o que é necessário para esse público que conquistamos?

Conhecer e entender a linguagem. Sentir-se representado no palco. Interessar-se pelo debate proposto em cena. Ser seduzido também. Para isso, tem que ser feito um trabalho pedagógico, um trabalho de base, de formação. E não o oferecimento de espetáculos de graça ou a um real. É fácil se temos patrocínio mas o beneficiado é quem já vai ao teatro e paga. O público pagante, nesses programas de “formação”, se deforma e aprende a deixar de pagar.

Existem outras questões. Sobre a presença real e virtual, por exemplo. Vários artistas e coletivos, inclusive eu, temos investigado isso, experimentado novas dramaturgias ou retomado dramaturgias tradicionais. Em BENÇA – uma peça.doc – o tempo foi colocado como uma presença e fundidos os tempos dos vídeos e dos atores; em O OLHO DE DEUS, a presença dos atores de um espetáculo dentro do outro, através da tecnologia de transmissão ao vivo. Em DRÁCULA, a presença do próprio vampiro era virtual… Enfim, estudos, propostas, nenhum deles pra mim é O ESPETÁCULO. são esboços de possibilidades. Mas, como todos tiveram dinheiro público, foram também encarados como produto. E tivemos e temos uma preocupação muito grande com o público. Quem é o dessa peça? Como chegar a ele e traze-lo para essa experiência? E mais, como essa experiência pode beneficiá-lo…

Enfim são muitas questões.

Precisamos de reflexão e devemos louvar quem está a fim de faze-la. Portanto este parágrafo final é de agradecimento a você Leandro, que em dois fins de semana assistiu a seis peças, em Salvador, escreveu sobre elas e mandou pros envolvidos e imagino pra outras pessoas também. É importante que pessoas que gostam de teatro sigam em frente, que cumpram seu papel de também nos informar com suas críticas. Faz parte da formação do público e de nós criadores e produtores que outros além dos que fazem teatro nos ajudem com informação, trazendo mais complexidade de pensamento, recolocando, para nós, as questões que colocamos em cena.

salvador, 3 de outubro de 2012

Publicado em 06/10/2012 | 2 comentários

2 Comentários

  1. José Eduardo Ferreira Santos says:

    Parabéns, Márcio, por dialogar com as inquietações culturais do querido Leandro Souza. Gestos como o seu me fazem acreditar que é possível quebrar o silêncio e a invisibilidade da cultura em nossa cidade.

    • Administrador says:

      pois é, eduardo, acho importante esse debate, por isso postei mais duas cartas nossas, de leandro e minha, no post “correspondência com leandro……” dê uma olhada.
      abs

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