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SALVADOR EM CRISE DE IDENTIDADE [29 de março de 2014]

No dia do aniversário da capital baiana, o jornal CORREIO DA BAHIA convidou artistas para escrever sobre a cidade. As cantoras Ivete Sangalo, Claudia Leitte e Rosa Passos, os compositores e músicos Carlinhos Brown, Manno Góes, Saulo Fernandes e Marcela Bellas, os diretores teatrais Marcio Meirelles e Fernando Guerreiro, o artista plástico Bel Borba,  o poeta Nelson Macca, os escritores João Filho, Alexis Leila e Mãe Stella de Oxóssi e o produtor cultural Andrezão Gomes atenderam ao convite e produziram os textos para o CORREIO celebrar Salvador neste 29 de março. 

rocinha - coração oculto do centro histórico

Por  Marcio Meirelles, diretor de teatro, diretor do Teatro Vila Velha e cenógrafo

Do alto do avião olho minha cidade: Salvador. A cidade que escolhi para morar. Escolhi não porque vim de algum outro lugar. Escolhi porque nasci aqui e não quis sair. Conheço várias cidades. Moraria em algumas delas. Mas escolhi estar aqui, passar aqui os meus dias, construir meu trabalho, minha casa.

No início ainda da carreira, quando era um jovem diretor descobrindo um mundo novo e estabelecendo meu caminho nele, quando minha relação com o teatro ainda era como um romance de adolescente, me aconselhavam a sair, ir para outras praças onde talvez a visibilidade fosse maior e pudesse desenvolver uma carreira mais sólida, onde o tempo e o suor empregados no teatro talvez gerassem dividendos mais concretos. Não quis.

Sempre argumentei comigo mesmo que aqui estavam minhas raízes. E quando descobri que as raízes geram um teatro necessário à vila e que por isso é útil. Mais ainda quis ficar. É isso: uma cidade – a polis – é o necessário para o teatro. Assim como o teatro deve ser necessário para ela. A essência do teatro é política ou seja reverbera a polis, conceitua, problematiza, cria parâmetros para discussão e mudança.
Salvador – quanto tempo, quanta história anterior a mim. De Kirimurê a Vila (Velha) do Pereira que deu nome ao teatro onde trabalho e que sempre retornou para a cidade seu reflexo. E toda essa história transformou Salvador numa cidade que não é mais a mesma onde resolvi ficar. Onde resolvi construir o meu caminho no teatro. E penso: ainda quero? Foi neste lugar que resolvi me nutrir e criar?

O mundo mudou. Mas Salvador, talvez mais que o mundo tenha mudado, e não sabemos mais que cidade é esta. Hoje, o teatro soteropolitano sofre (como o do mundo inteiro) uma crise de identidade. Portanto não sabemos que teatro pode representá-la. Num momento em que também sofremos uma crise de representação. Nada mais consegue nos representar. Não queremos. Somos os representantes de nós mesmos, cada um de si próprio – o que é terrível por ser libertário – portanto procuramos. O Teatro Vila Velha, ao longo de seus 50 anos, tem sido fruto e espelho da cidade. E no aniversário desta polis (re)formatada, quase desconhecida, penso do alto do avião, enquanto vejo a cidade se afastar e desaparecer entre as nuvens, que presente podemos te dar e descubro: teatro.

publicado no correio da bahia em 29/03/2014

Publicado em 29/03/2014 | 2 comentários

2 Comentários

  1. Graziele says:

    Que reflexão maravilhosa!!!! Condiz perfeitamente com a realidade dessa cidade, sobretudo, a realidade teatral!!!

  2. cadu says:

    Perfeito. Falou exatamente o que venho sentindo e as ideias que permeiam em minha cabeça!

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