TER NA PELE A COR DA NOITE
escrito por marcio meirelles, em salvador, em 17 de agosto de 2003, para o livro de fotos de sérgio guerra NAÇÃO CORAGEM – publicado pela maianga. posteriormente transformado em canção, com música de jarbas bittencourt, e inserido no espetáculo CABARÉ DA RRRRRAÇA do bando de teatro olodum, e coreografada por zebrinha
é preciso ter coragem
para ter na pele a cor da noite
ser intangível
é preciso ter coragem
pra estar assim no mundo
bicho solto encardido
a trocar olhos por luas
o futuro é coisa dura
de pedra e ferro montado
o futuro é coisa dura
difícil de se tocar
é preciso ter coragem
ver na noite sem ser visto
pra se escrever o futuro
com a pele cor do asfalto
molhado de muita chuva
e uma lua gêmea dupla
pousada abrindo clarão
mostrando tantas coisas
escondidas sob a pele
a quem não consegue passar
da superfície do mundo
quando a pele é cor da noite
é preciso ter coragem
pra reforjar o futuro
até que ele ganhe a cor
guardada dentro de todos
nas rotas loucas das veias
nos abismos corporais
é preciso que se veja
com olhos de luas gêmeas
em noite escura cerrada
a cor que tem o irmão
quando ele guarda na alma
não o vermelho do sangue
de tantas lutas travadas
e sim a cor do mais fundo nada
a mesma de sua pele
do nada mais invisível
mais absoluto nada
é preciso ter coragem
para se empunhar esta cor
como arma como enxada como arado
como fonte como estrada
como língua incendiária
que todas as línguas fala
e torna esta cor escondida
em nova cor revelada
cor do dia cor do sonho
de todo homem e mulher
todo bicho toda mata
cor a correr pelas veias
a preencher os abismos
criando um caminho novo
pra raça humana avançar
é preciso ter coragem
pra ter na pele a cor da noite
e sobreviver nesses dias
é preciso ter coragem
e olhos de lua a brilhar
pra ser o futuro que se quer
mesmo o que virá.