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Sete Palcos começam a abrir suas cortinas

Escrito por Marcio Meirelles, para o Encontro Lusófono, em 7 de outubro de 1998.

 

Há três anos vem se realizando o Encontro da Cena Lusófona, evento que reúne grupos, artistas e entidades dos sete países de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe.

Este ano o Encontro foi em São Paulo, numa realização do Centro Cultural São Paulo, da Secretaria Municipal da Cultura de São Paulo, em parceria com a Cena Lusófona, de Portugal, com o apoio do Ministério da Cultura (Brasil) e do Instituto Português das Artes do Espetáculo (Portugal) e a curadoria de Sebastião Milaré.

Fizeram parte do Encontro, espetáculos, exposições, publicações, leituras dramáticas e um ciclo de mesas redondas.

AS EXPOSIÇÕES
Uma das exposições apresentadas celebrava os vinte anos de um dos trabalhos mais importantes da cena brasileira: o de Antunes Filho com o Grupo de Teatro Macunaíma e posteriormente com o CPT (Centro de Pesquisa Teatral) do SESC. Grandes painéis fotográficos de Paulo Henrique de Carvalho e uma instalação com os cenários e figurinos feitos por J.C. Serroni para os espetáculos.

A outra exposição, No Palco nos Entendemos, mostrava fotos de Augusto Baptista de espetáculos, workshops e encontros da Cena Lusófona. As cores, as máscaras, os gestos e as caras que apareciam naquelas fotos eram familiares e diferentes. Eram próximas, em algum ponto de nossa língua.

AS PUBLICAÇÕES
O Centro Cultural São Paulo nos brindou com um presente precioso: O Teatro dos Sete Povos Lusófonos. Uma publicação que dá uma visão das trajetórias e formas de teatro nesses sete países. (Esse livro pode ser solicitado gratuitamente ao teatro Vila Velha por quem estiver interessado).

A outra publicação lançada foi um número especial da revista Sete Palcos sobre o teatro brasileiro. Esse, como outros números da revista, podem ser adquiridos pelo e-mail: teatro@cenalusófona.pt

OS ESPETÁCULOS
Dos espetáculos apresentados no encontro pude assistir aos de dois grupos portugueses, um brasileiro e um angolano.

Do Teatro da Garagem, de Lisboa, assisti a dois: Peregrinação – O Fio de Ariadne, e A Menina Que Foi Avó. Os dois tratavam de um tema importantíssimo para os portugueses neste momento de unificação da Europa e globalização: a questão da identidade. Fazem parte de um ciclo de cinco peças chamado Pentateuco – Manual de Sobrevivência para o Ano 2000. Esse grupo é formado por artistas de uma geração pós Revolução dos Cravos, uma geração que se reunia em garagens para fazer rock. Esse grupo se reunia em garagens para fazer teatro. Daí o nome do grupo e daí a linguagem desenvolvida. Uma linguagem teatro-rock que, explorando elementos da mitologia urbana desse final de milênio, é comum a toda uma geração, não importa em que grande cidade do mundo ela viva. Uma geração que precisa desesperadamente encontrar uma identidade e um meio de se comunicar. Que se pergunta o tempo todo: quem sou eu?

O Teatro Meridional de Lisboa, apresentou espetáculo com dois atores, um português e um espanhol, cada qual falando em sua língua. Ñaque ou Sobre Piolhos e Atores, de Sinisterra. O grupo é formado só por homens, de Portugal e Espanha, países onde trabalham alternadamente, se auto referindo como um grupo ibérico.

Do Brasil, o maravilhoso Como Nasce um Cabra da Peste da Agitada Gang, da Paraíba. O grupo e o diretor Eliézer Filho constróem um espetáculo onde tudo é necessário, para contar a gênese de um nordestino, filho da fome e de todas as mazelas da região. O texto, o gestual, o cenário e o figurino são de uma riqueza impressionantes porque feitos de coisas simples, precisas, nascidas da mesma necessidade que gera os cabras da peste.

O Elinga Teatro, de Luanda, foi o último. O único grupo africano a se apresentar. O Mulato dos Prodígios, espetáculo que assumidamente frustrava a expectativa de se ver o que se espera do teatro africano, principalmente de um grupo que se chama Elinga (do umbundo = ação). Um espetáculo de texto, que restringia todo o movimento ao deslocamento de atores no espaço e a música a uma trilha de música incidental reproduzida mecanicamente. Essa recusa em mostrar o esperado, o aparentemente exótico, trai a herança cultural do grupo, e nos mostra um teatro que poderia ter sido feito em qualquer parte do mundo.

Os outros grupos que se apresentaram foram: a Cia de Teatro Medieval e a Cia Megamini, do Brasil, e, de Portugal, o Teatro Regional da Serra do Montemuro e a A Escola da Noite ( que se apresentou aqui em Salvador).

AS MESAS REDONDAS
Nas mesas redondas foram discutidos os sistemas de produção, a dramaturgia, os caminhos da encenação e o ensino do teatro, além de serem levantadas as possibilidades de intercâmbio de idéias, profissionais e obras entre os países de língua portuguesa.

Nessas mesas é que nossas diferenças e similitudes foram exibidas. Foi fascinante ver como o teatro de Angola e da Bahia têm pontos em comum, como Portugal busca uma renovação de linguagem no intercâmbio com as ex colônias e como as ex colônias às vezes se comportam como colônias, buscando soluções milagrosas para o desenvolvimento de seus teatros vindas da ex metrópole, ou importando modelos já conhecidos da Europa ou dos Estados Unidos.

Nas mesas redondas e também nos encontros informais, é que, na verdade nos entendemos, trocando informações e possibilidades de projetos a serem desenvolvidos conjuntamente, num futuro próximo.

É impressionante como essa troca de informações entre pessoas que fazem teatro em português só esteja acontecendo agora, já que o teatro está intimamente ligado à língua, ao texto – apesar de não ser só isso, sabemos.

De repente se nos abrem sete novas possibilidades. Sete novos palcos se apresentam para serem experimentados. Esse Encontro da Cena Lusófona foi de uma importância fundamental para que essas cortinas se abram.

 

Publicado em 07/10/1998 | nenhum comentário

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