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APOIO A AÇÕES CONTINUADAS DE INSTITUIÇÕES CULTURAIS

Pequeno histórico de uma política pública de cultura

Ao assumir a pasta da Cultura do Estado da Bahia, em 2007, o que fizemos foi transformar um discurso em ação a fim de, em consonancia com o Ministério da Cultura, construir no Estado uma visão de cultura como fator de desenvolvimento da sociedade, organizar suas ações para o setor e apoiar na sociedade a construção de musculatura institucional capaz de dialogar com o Poder Público a fim de poder receber recursos que beneficiassem a população com o acesso à produção e ao consumo cultural.

Entre as ferramentas criadas, como o CARNAVAL OURO NEGRO e a LEI ORGÂNICA DA CULTURA, o APOIO A AÇÕES CONTINUADAS DE INSTITUIÇÕES CULTURAIS – que se desdobrou depois em apoio à projetos calendarizados, como festivais anuais – tem um histórico que nunca foi bem divulgado.

Eis portanto um levantamento feito pela Superintendência de Fomento à Cultura:

reunião da secretaria da cultura do estado da bahia com artistas e produtores culturais - foto: marcio lima

reunião da secretaria da cultura do estado da bahia com artistas e produtores culturais - foto: marcio lima

Desde os anos 90 existem quatro leis autorizando “a inclusão de dotação orçamentária anual [especificamente] destinada a apoiar” quatro instituições culturais baianas: a Fundação Casa de Jorge Amado (Lei Estadual Ordinária Nº 6.574 de 30/03/94), o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (Lei 6.575 de mesma data), a Academia de Letras da Bahia (Lei 6.576, idem) e o Museu Carlos Costa Pinto (Lei 6.672 de 05/09/94).

Até a criação, em 2005, do Fundo de Cultura da Bahia (FCBA), o apoio a estrutura fixa de instituições culturais pela antiga Secretaria de Cultura e Turismo (SCT) era feito com recursos orçamentários, através da Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB), Fundação Pedo Calmon (FPC) ou do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC).

Ao assumir a nova SECULT, em 2007, foram encontrados convênios de “manutenção” beneficiando um total de 17 (dezessete) instituições, com um valor total de R$ 12.040.509,17.

Em razão de irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) em seu Relatório de Auditoria de dezembro de 2006 e seguindo recomendação de Comissão Mista formada por integrantes da SECULT e representantes da Procuradoria Geral do Estado (PGE) em 15/04/2007, decisões foram tomadas para eliminar os erros e reduzir os impactos na prestação dos serviços culturais à sociedade baiana.

As irregularidades apontadas pelo TCE foram:

[…] a inobservância ao princípio constitucional da impessoalidade e […] ao disposto no inciso XI do art. 176 do Estatuto dos Servidores Públicos da Bahia (Lei nº 6.677/94), consubstanciada pelo repasse de recursos públicos a instituições criadas e administradas com ingerência do Gestor do FCBA [até 2006] e com a participação, inclusive em sua administração, de servidores públicos; a deficiência do sistema de controle na aplicação dos recursos repassados, evidenciado pela manutenção de quadros de pessoal das instituições criados e/ou ampliados por força das relações de subvenção estabelecidas, configurando burla ao dispositivo constitucional que veda o ingresso no serviço público sem concurso; e a omissão em adotar, previamente às concessões dos subsídios, procedimentos essenciais para o alcance da economicidade, eficácia, efetividade e transparência. (Relatório TCE 12/06, p. 65)

Decorrente disso, cinco organizações tiveram convênios interrompidos e não renovados:

  • Associação Brasileira de Preservação da Capoeira – Forte da Capoeira, beneficiada em 2006 com R$ 646.200,62 e instalada informalmente em propriedade da União; a Secretaria de Cultura, através do IPAC, assumiu diretamente a gestão do Forte de Santo Antônio, depois de devidamente autorizada pelo Governo Federal, e passou a apoiar sem intermediação os grupos de capoeiristas ali instalados.
  • Associação Baiana de Arte e Cultura – ABACULT, apoiada em 2006 com R$ 2.599.875,11 e criada com o objetivo de implantar e gerir o novo Museu Rodin; a Secretaria incorporou o museu ao IPAC que passou a administrá-lo diretamente.
  • Oficina das Artes, criada, basicamente, para gerir a programação cultural no Pelourinho (R$ 1.539.600,10) – A SECULT, também através do IPAC, passou a comandar diretamente a programação cultural do Centro Histórico e retomou o imóvel cedido àquela organização.
  • Centro Brasileiro de Difusão do Livro e da Leitura – Viva o Livro (R$ 855.572,83) – a Secretaria resolveu centralizar sua política de Livro e Leitura na Fundação Pedro Calmon – Centro de Memória da Bahia (FPC), definiu um novo programa de apoio à leitura, ao livro e à indústria editorial na Bahia e retomou o imóvel ocupado por aquela entidade no Pelourinho.
  • Casa das Filarmônicas, criada para intermediar o apoio da extinta SCT a essas orquestras (R$ 1.618.335,00). A SECULT preparou um novo programa de suporte direto às filarmônicas baianas através da FUNCEB e reocupou o imóvel cedido àquela entidade no Centro Histórico.

Em concordância com os apontamentos do TCE, foi fixado o entendimento de que essas atividades deveriam ser realizadas pelo poder público estatal ou, se descentralizadas, feitas através de processo público, a exemplo do modelo de Organizações Sociais.

A denúncia dos convênios com essas entidades e as iniciativas no sentido de implantar políticas de apoio direto em algumas áreas não significou uma política “estatizante”, mas apenas o reconhecimento do que é competência do estado e o que é fomento à produção cultural independente com a utilização de seus programas de fomento (FCBA, FAZCULTURA, Ouro Negro etc.) para o apoio a projetos e atividades culturais da sociedade civil.

Ademais, ficou evidenciado o fato de que a democratização do acesso aos produtos culturais e aos meios de produção da cultura exige uma capilaridade que seria inalcançável a partir do uso exclusivo da estrutura do Estado; daí, a importância do apoio continuado a entidades culturais de direito privado que realizem o necessário trabalho de multiplicação das ações culturais em consonância com as políticas públicas da SECULT.

Nessa perspectiva, outra decisão tomada desde 2007 foi o suporte a algumas entidades consideradas relevantes ao patrimônio cultural da Bahia. A Secretaria estabeleceu, contudo, um teto de R$ 400 mil/ano para esse tipo de projeto, o que significou, em comparação com 2006, a redução de aporte para duas dessas instituições. Este seria o primeiro passo para a implantação de uma nova política de fomento a ações culturais continuadas de iniciativa da sociedade.

Sanados os problemas do apoio então vigente a partir dos apontamentos do TCE, ao renovar ainda em 2007 os apoios às instituições nos termos descritos anteriormente até a formatação do novo programa, a PGE apontou fatores até então inéditos como restrição a despesas com pessoal e encargos, baseando esta análise no § 6 do art. 216 da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003:

§ 6 º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de:

I – despesas com pessoal e encargos sociais;

II – serviço da dívida;

III – qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.

Nessa discussão, a PGE inicialmente se posicionou contrária ao apoio a projetos culturais que envolvesse despesas com esse objetivo, questionando-os com os seguintes argumentos principais:

  • aparente contradição entre a “manutenção” de entidades via FCBA e o § 6º, do artigo 216, da CF, que, na interpretação da PGE, impediria o pagamento de encargos e salários nesse tipo de apoio a projeto cultural.
  • ausência de aporte de recursos privados no custeio dessas instituições, o que negaria a função suplementar que deveria ser obrigatória para o apoio do Estado, sob pena da equiparação ilegal de entidades privadas a públicas.
  • ausência, em certos casos, do vínculo obrigatório que deve existir entre a “manutenção” e as ações culturais concretas realizadas pelas instituições apoiadas.
  • Finalmente, a PGE questionou a inexistência de seleção pública para a celebração de convênios com entidades beneficiárias de “manutenção”.

Desde aquele momento, apesar de questionar o modelo, a PGE autorizou a conveniamento e a prorrogação, indicando à SECULT a adoção pela Secretaria de um novo modelo de “apoio continuado”. Como referenciado, esse assunto estava na pauta, mas ainda seria sujeito, seguindo a prática adotada desde 2007, a debate e consulta pública após sua formulação.

Quanto aos novos questionamentos da PGE externados em 2007:

  • O citado § 6 do art. 216 da CF tem em seu cerne autorização de vinculação de receita, o que não é o caso do FCBA.
  • Mesmo que o fosse, as restrições indicam que o legislador objetivou que os recursos de fundo criado para fomentar determinada atividade social (nesta caso, cultura) não fossem direcionadas para custear despesas do próprio poder público. O item ‘serviços da dívida’ é o que melhor exemplifica esta intenção do legislador.
  • Desta forma, à época e no momento, o entendimento da equipe da SECULT é que a interpretação que comunicada em 2007 estava equivocada. Ressalte-se que este entendimento da SECULT prevaleceu quando foi criada as novas regras de apoio a estas instituições, em construção conjunta com a PGE a partir de 2009.
  • Quanto ao aporte suplementar, a diminuição do teto e exigência de indicação de outras receitas foram exigidas para continuidade do apoio.
  • Quanto a caráter indireto da relação entre as despesas apoiadas e resultados, é uma questão estrutural da natureza deste tipo de apoio, já que não existem técnicas no meio cultural de se aproriar despesas como segurança, coordenador técnico, água, etc. para atividades tão diversas como museus, teatros e centros de memória, cada centro destes com programação, atividades e horários de funcionamento distintos. A melhor forma que temos conhecimento no Brasil é a formatada pela Portaria SECULT nº 148/2009 que instituiu o programa de apoio a ações continuadas, em que ressalta a possibilidade de pagamento de despesas estruturais, comuns a todas as atividades, e solicita da instituição o será ofertado a partir desta estrutura custeada: abertura ao público dos centros de cultura, manutenção de acervo, abrigo de exposições, espetáculos, oficinas, entre diversas outras atividades possíveis.

Assim, entendemos que :

  • Pelas decisões tomadas em 2007 foi efetivamente promovido o saneamento de todas as irregularidades apontadas pelo TCE nos relatórios referentes às contas de 2005 e 2006;
  • Em alguns casos, pelas características dos serviços e das entidades, não poderia ser autorizada a simples revogação dos convênios firmados sob risco de impacto siginificativo na dinâmica cultural, já que não se tratavam de casos onde o Estado pudesse assumir as funções desempenhadas pelas organizações apoiadas;
  • a partir dos pareceres e em parceria com a PGE, foi concebido apartir de 2008 e implantado em 2009 modelo inédito de apoio a essas instituições, aperfeiçoando a iniciativa dentro dos princípios que norteiam a administração pública;
  • que o novo modelo demonstrou que o entendimento inicial da PGE referente ao § 6 do art. 216 da CF não era aplicável à situação específica, posto que ele foi mantido no novo modelo que obteve chancela daquela Procuradoria;
  • que até a implantação do novo modelo, o apoio firmado e renovado obteve chancela da PGE, tendo o Procurador Geral de manifestado entendendo que, apesar de, naquele momento, considerar que não seria possível pagamento de salários e encargos, determina que, “considerado a sistemática até o momento adotada, e tendo em conta o interesse público afeto à [instituição], poderá ser celebrado convênio contemplando apenas os cusos indispensáveis à manutenção da entidade, com prazo de vigência de 06 (seis) meses, necessário à adaptação ao novo sistema a ser implementado nos moldes delineados acima.” Devido a complexidade da matéria, foi necessária a renovação da autorização para este apoio temporário, sempre realizada com anuência prévia da PGE.
  • Que além da prévia análise pela PGE, os processos passaram pela Comissão do FCBA, desta forma, em momento algum foi utilizado a discricionariedade do Secretário de Cultura, na qualidade do gestor do FCBA, na concessão de apoios, tendo todos os atos seguido os princípios do direito administrativo.

 

Publicado em 23/02/2014 | nenhum comentário

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