E O QUE POR LÁ ENCONTRAMOS
texto para o programa da peça ATRAVÉS DO ESPELHO E O QUE ALICE POR LÁ ENCONTROU – tradução cênica do livro de lewis carroll . estreia 13/01/2016 . teatro vila velha
em 1862 charles dodgson contou uma história à pequena alice lidell q tinha dez anos
a história seria publicada 3 anos depois com o nome alice’s adventures in wonderland e assinada com o pseudônimo lewis carroll
em 1871 foi publicada throught the looking glass and what alice found there
ou
em 1862 lewis carroll contou uma história para alice lidell q charles dodgson publicou 3 anos depois c isso ganhou um bom dinheiro o q o levou a imortalizar-se como lewis carroll e a uma sequencia das aventuras
isso fez c q alice lidell se tornasse alice
a alice de lewis carroll do chapeleiro louco da rainha de copas da rainha vermelha do cavaleiro branco de humpty dumpty dos irmãos tweedle do país das maravilhas do espelho atravessado
em quem se tornou de fato alice?
afinal era ela um sonho do rei vermelho ou sonhou tudo q ouvimos?
e q trajetórias alice teve q enfrentar para ser alice?
e q caminhos teve q percorrer para continuar alice lidell?
q espelhos atravessar para tornar-se rainha?
o q lewis carroll sonhou?
o q fez lewis carroll tirar alice lidell de sua vida real para atira-la num livro ilustrado por ele mesmo num manuscrito presenteado à menina?
depois qdo charles dodgson resolveu q o livro seria de todos
foi publicado c ilustrações de john tenniel capazes de estabelecer um padrão tão poderoso q nem walt disney nem salvador dali nem ninguém foi capaz de ignorá-las completamente e estabelecer algo novo sem nenhum vestígio da gênese
e alice tornou-se tb a menina registrada por tenniel em gravuras icônicas
entregou o lewis para o john uma foto de outra musa nova musa fotografada por ele como tantas outras para q inspirasse a criação da alice gráfica complemento inseparável da literária
diferente da lidell a alice de tenniel tb n era a de carroll era outra
mas a lidell estava perdida aprisionada p sempre na casa do espelho do país das maravilhas no sonho do rei vermelho
pq escreveu uma sequencia 9 anos depois de ter contado a sua pequena amiga musa ouvinte e ter sido afastado dela pela mãe preocupada c os contornos da relação do contador c a ouvinte do sonhador c a sonhada do artista c sua musa?
charles dodgson talvez tenha publicado a sequencia pela fama pela grana pelo mesmo q faz as sequencias da maioria das obras q faz as franquias dos blockbusters
mas lewis carroll talvez tenha percebido o q fez a alice lidell
primeiro contou a ela os percalços do crescimento do caminho de se tornar adulto o enfrentamento do círculo familiar p tornar-se alguém não a filha de alguém mas alguém tb capaz de ter filhos
contou como se dá o ciclo do indivíduo para tornar-se
mas como dodgson publicou as revelações em livro e tornou alice alice de todos menos dela mesma nove anos depois carroll contou a musa agora c 19 o q ela passaria ou o q tinha passado para ser mulher
foi em busca dessa trajetória q nos metemos na tarefa de traduzir o livro para o palco
a atividade central do primeiro arco da universidade LIVRE de teatro vila velha é traduzir um romance para o palco
lidar c a estrutura do discurso
o q dizemos precisa de uma estrutura para ser dito
e o ator antes de dizer precisa entender como se constrói o discurso
nos textos escritos diretamente para a encenação a estrutura é mais aparente mais exposta temos q entende-la aceita-la e sobre ela construir o nosso discurso
num romance ou outra espécie de narrativa a dramaturgia segue outros princípios tem outra sintaxe
é como outra língua
traduzir depende do conhecimento das duas línguas
o mundo se move sobre estruturas e a dramaturgia é o seu desenho
por isso o primeiro arco da LIVRE é o da dramaturgia
criar uma própria dramaturgia em q a narrativa linear do romance se mescla c a do espaço do som do corpo do movimento físico do coletivo do instante presente
ATRAVÉS DO ESPELHO E O Q ALICE POR LÁ ENCONTROU
está baseado em dois eixos centrais duas estéticas
o jogo de xadrez c suas regras e movimentos
e o espelho com seus reflexos e imagens
ele nos conta o percurso do crescimento de descobertas de sexualidades de perplexidades de reconhecimentos até o ponto de fusão
é uma narrativa de trajetória como a odisseia e tantas outras
dividida em 12 capítulos q podem facilmente se transformar em 5 atos
como uma peça clássica
exposição desenvolvimento virada desdobramento resolução
as narrações/rubricas podem ser e foram alteradas
trair para melhor traduzir
as palavras mesmo escritas são da natureza do som
elas provocam imagens e associações afetivas e racionais ao mesmo tempo
as narrações nos sugeriram outras ações e vencemos a tentação de ilustrar o q está descrito
além das narrações o livro é rico em diálogos
se os isolarmos e os falarmos eles criam outras situações/rubricas diferentes das narrações/rubricas retiradas
os corpos em movimento no palco como as gravuras no livro
n podem se limitar a ilustrar
devem complementar criar narrativas visuais e concretas q se entrechocam
c as sonoras criando sínteses ou abrindo mtas vezes contradições
q nos levam a refletir e emocionar e assim fomos
ouvindo os diálogos falados sem as narrações do livro
compondo nossos movimentos para criar situações análogas às q percebemos qdo o lemos
os poemas longos poemas se transformaram em canções
encenadas pelo coro como nas óperas ou nos musicais
e é tudo rock’n’roll
no universo dos 19 anos qdo se busca
c os hormônios em fúria explicações para o longo poema da vida
em aventuras radicais como atravessar o espelho
andar oito casas para descobrir o q alice descobre na festa de sua coroação
os ambientes/cenários foram transformados em ações do coro
e o figurino tb ao invés de ilustrar cria um ambiente visual de oposições
como as das peças do xadrez e reflexos como os do espelho
este figurino/ambiente nos remete à muitas referências
são roupas de bailarinas vermelhas e brancas
em corpos pintados como no carnaval mas c outros padrões
e c meias transparentes e coturnos
são maquiagens borradas de apos festa ou sexo
na livre todos experimentam
todos experimentaram
compuseram temas e músicas para os poemas
aprenderam a tocar instrumentos
produziram o figurino e o cenário grande tabuleiro de xadrez
propuseram resoluções caminhos opções tonalidades para o q no livro eram narrações
no meio do processo exercitamos o teatro coral q perseguimos
e a atuação quase cinematográfica q foi buscada muitas vezes
para recompor a atmosfera onírica do romance no palco
c matéi visniec – no PROJETO MATÉI
tivemos muitos outros encontros com pessoas notáveis
e exercitamos o corpo a voz a percepção a reflexão
discutimos formas de gestão e caminhos futuros
trabalhamos c o investimento financeiro de todos e a gestão desse recurso compartilhada compomos nossa economia c a moeda social do vila
– os tempos –
começando a entender q para fazer teatro é preciso fazer tudo q envolve
a linguagem e seu produto
a relação c o público e c o q precisamos dizer
mtos passos foram dados
alguns perceberam no meio do caminho q havia outros caminhos mais próprios ou possíveis
e os seguiram dos 30 iniciais somos 19
e seguiremos talvez menos ainda q 19
para o próximo arco-shakespeare
q começa a se delinear em conversas
será diferente
seremos diferentes
em 1979 traduzi c o avelãz y avestruz alice’s adventures in wonderland para o palco
36 anos depois proponho para a LIVRE a encenação de trhought the looking glass e acolhem vibrando
do jovem de 25 anos para o velho de 61 muita coisa mudou
mas o teatro é o mesmo esta plataforma de debate e de embates constantes
esta ágora onde a polis se reúne para refletir e se encantar sobre si mesma
e sobre o tempo q corre
como a de carroll essa alice é outra alice tem outro propósito
como o mundo e a cidade é 36 anos mais velha
n somos mais sábios necessariamente nem melhores tvz infelizmente
mas outros
somos todos outros e seguimos
somos todos alice
eu tinha q fazer o outro livro o do espelho e atravessa-lo
era um dos q tinha q fazer antes de morrer e o fizemos
alice é esta força q nos move incrivelmente
“sempre em frente até amanhecer”
e o amanhecer sempre virá na terra do nunca na terra das maravilhas em algum lugar atrás do arco íris mas montados em rocinantes queremos q o amanhecer nos encontre aqui em nossa própria terra em nosso próprio palco
por isso o teatro vila velha
por isso a universidade LIVRE
por isso ATRAVÉS DO ESPELHO E O Q ALICE POR LÁ ENCONTROU
márcio meirelles
salvador . 25.12.2015