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“Pé de guerra” faz a festa

Texto publicado no jornal Folha da Bahia, em 30 de março de 2001, escrito pelo jornalista Marcos Uzel, sobre o Prêmio Copene de Teatro – Edição 2000. “Pé de Guerra” rendeu a Marcio Meirelles a premiação de Melhor Espetáculo Adulto e Melhor Diretor, e para Neide Moura, o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante.

 

O humor ensaiado cedeu lugar à poesia. Ao invés dos holofotes e do tapete vermelho oscarizado, as cores de um espetáculo popular. Do circo ao bloco afro, do cordel ao Carnaval, a cerimônia de entrega do Prêmio Copene de Teatro – Edição 2000, levada ao palco do TCA na noite de anteontem pelo diretor Márcio Meirelles, celebrou o coletivo, juntou tradição e tecnologia e chutou os clichês para formar uma festa com identidade própria. Entraram em cena o teatro do futebol, do picadeiro e da drag-queen, entre outras expressões diferentes na forma, mas unidas pelo ritual da diversão e suas reservas de fantasia.

A intenção não foi de exacerbar a comicidade. Mas Bargagerie Spielberg estava lá no palco, listando seu imenso nome artístico e fazendo todo o mundo rir. Zé Celso Martinez, também. Saudado com um troféu especial, o diretor mais dionisíaco do teatro brasileiro, que há mais de 30 anos não pisava no palco do TCA, quebrou as formalidades de uma homenagem do gênero e escancarou o delírio cênico. Embalado pela percussão do Ilê Aiyê, Zé Celso derramou vinho no troféu, saiu dançando com espectadores pela platéia (sem poupar nem uma das funcionárias da casa), deitou no palco e ganhou do namorado alguns beijos do balacobaco ? pertinho do casal, uma das dançarinas do Ilê não escondeu o susto.

“Para mim isso não é uma homenagem. É uma ordenação. O teatro é divino. Aprendi isso na Bahia. Foi o candomblé que me ensinou. Foi o Carnaval que me ensinou. Aqui, Dionísio é um orixá a mais. Evoé!”, saudou Zé Celso, pouco antes de anunciar o prêmio mais aguardado da noite: o de melhor espetáculo adulto para Pé de guerra, que também rendeu um troféu para Márcio Meirelles na categoria melhor diretor (entregue pelo mestre de capoeira angola, João Pequeno). “A delicadeza e a beleza talvez sejam a melhor arma que a gente tem. Estou muito feliz, mas a gente não pode esquecer do país em que a gente está”, enfatizou Márcio, dando um sopro de realidade no meio da fantasia.

Uma das sacadas da encenação foi abrir a festa com o mestre Bule Bule, grande símbolo da cultura popular baiana, exaltando o teatro e fazendo a apresentação em forma de cordel, no lugar dos habituais mestres-de-cerimônias. Veterano das artes circenses, Anselmo Serrat anunciou O vôo da Asa Branca como o melhor espetáculo infanto-juvenil. A equipe da peça, que está em cartaz no Rio, não pôde comparecer, mas o diretor Deolindo Checcucci fez questão de enviar o discurso, dedicando o prêmio a “todos os sem-terra que querem voar”, numa referência a uma das questões citadas na peça.

O diretor Rino Carvalho, que está em cartaz com a montagem Esperando Godot – Detalhe no Festival de Curitiba, ganhou aplausos calorosos ao ser anunciado pelo jogador Bobô como a revelação do ano passado. Na mensagem enviada não dispensou o trocadilho: “Só não gostaria de montar um espetáculo que tivesse o nome Esperando o patrocínio”.

Entre euforia e lamento, outros representantes da nova geração do teatro baiano também subiram ao palco. A iniciante Cláudia Barral recebeu da veterana Cleise Mendes o troféu na categoria melhor autor, enquanto o elenco fixo do grupo Os Argonautas, anunciado pela jornalista Wanda Chase, faturou a estatueta na categoria destaque, dedicando o prêmio a Harildo Déda, incentivador do trabalho da companhia.

Apontado como um dos favoritos da noite, Harildo acabou perdendo o troféu de melhor ator para Frank Menezes. Anunciado por Bagagerie Spielberg, Frank não escondeu a surpresa diante da premiação. “Queria que Harildo ganhasse”, assumiu emocionado, homenageando, com elegância, seus demais concorrentes. Se a escolha foi (de fato) surpreendente, o mesmo não se pode dizer sobre Paulo Pereira, aguardado como um nome quase certo na categoria ator coadjuvante. “Tô nervoso, mas tô controlado. Tá dominado, tá tudo dominado”, disparou, debaixo de risos e aplausos calorosos da platéia.

Enfim, as atrizes. A eleita foi Iami Rebouças, a grande presença feminina nos palcos baianos em 2000. Pena que ela – atualmente em cartaz no Rio com O vôo da Asa Branca – não pôde comparecer para receber a estatueta das mãos de ninguém menos do que a cantora mais teatral do país: Maria Bethânia (e sua indefectível corridinha na saída de cena), interpretando a canção Cacilda para celebrar as atrizes da Bahia.

A cantora foi a surpresa mais bonita da festa, com direito até a cometer um pequeno lapso e chamar a premiada de Lami. “Ê vontade de ser feliz!”, brincou Iami Rebouças na mensagem que enviou, citando uma das frases do primeiro monólogo de sua carreira. E ainda não foi desta vez que Fafá Menezes, favorita como a coadjuvante do ano, levou a estatueta. O prêmio ficou para Neide Moura, que, feliz da vida, explicitou a emoção: “Esses aplausos chegam aos meus ouvidos como uma melodia celestial”, poetizou.

Enquanto Zé Celso Martinez fez de sua participação uma farra, a outra homenageada da noite, Haydil Linhares, ganhou de Márcio Meirelles um acarinhamento à altura de sua importância na história do teatro baiano. Comovida, a veterana atriz, que acumulou tantos trabalhos marcadamente cômicos e cordelescos, foi receber seu prêmio especial repetindo um ritual de anos: subiu ao palco descalça, tão despojada e popular quanto o clima evoé com axé da festa, que entre uma e outra discordância, primou por um resultado cênico equilibrado.

PREMIADOS
Espetáculo adulto: Pé de guerra
Espetáculo infanto-juvenil: O vôo da Asa Branca
Diretor: Márcio Meirelles (Pé de guerra)
Autor: Cláudia Barral (O cego e o louco)
Ator: Frank Menezes (Volpone)
Ator coadjuvante: Paulo Pereira (O cego e o louco)
Atriz: Iami Rebouças (Umbigüidades)
Atriz coadjuvante: Neide Moura (Pé de guerra)
Destaque: Os Argonautas

Publicado em 30/03/2001 | nenhum comentário

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